Ao longe, mui longe, no horizonte,
além, muito além daquele monte,
como ave que voa desdenhada,
flutua tristemente uma jangada.

Nos zangados soluços do oceano,
quase desaparece o canto humano
de quem no mar e céu inda confia
porque em terra tudo lhe é melancolia.

Isso de terra firme e mar traiçoeiro

nem sempre é certo para o jangadeiro
mais preso ao fiel sal que à incerta areia.

Mistura ao grande azul as suas mágoas
e encontra no vaivém das verdes águas
consolo às negras dores cá da terra.

Gilberto Freyre – “Jangada Triste”

Amanhã…

Disse um dos mais belos prosadores portugueses, o padre António Vieira, numa belíssima paráfrase que jamais perdeu actualidade, antes pelo contrário, que é cada vez mais premente, que os que devem dar o exemplo, os que estão obrigados a lutar por um mundo melhor, na altura os pregadores, hoje eventualmente os líderes das comunidades que são o «[…] o sal da terra; e chama-lhe sal da terra, porque quer que façam na terra o que faz o sal. / O efeito do sal é impedir a corrupção, mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção? / Ou é porque o sal não salga, ou porque a terra se não deixa salgar. /Ou é porque o sal não salga, e os pregadores não pregam a verdadeira doutrina, ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes, sendo verdadeira a doutrina que lhe dão, a não querem receber. /Ou é porque o sal não salga, e os pregadores dizem uma coisa e fazem outra, ou porque a terra não se deixa salgar, e os ouvintes querem antes imitar o que eles fazem que fazer o que dizem.»

Hoje muitos destes líderes estão mais preocupados com o momento, com os seus interesses do que com o bem comum que não se esgota no presente, pelo que cumpre perguntar:

Qual o futuro da Terra? Qual o futuro da Humanidade que a ela está tão ligado?

O que poderemos nós, hoje, fazer para que exista um Futuro?

Comece-se por uma muito simples constatação:

Diz-se que um castanheiro demora trezentos anos a crescer, em compensação um eucalipto demora apenas meia dúzia de anos a chegar ao estado adulto.

Assim, é importante verificar quantos serão os que hoje têm coragem, ou melhor, a generosidade, para plantar árvores das quais jamais verão os frutos.

Hoje pensamos pouco no Futuro, hoje sonhamos muito pouco e deveríamos sonhar mais.

É neste contexto que surge e se pode explicar a exposição “Amanhã…”, de José Teixeira Ribeiro, com a apresentação de um conjunto de obras que versam o problema da sustentabilidade do planeta.

O autor já nos habituou, com as suas obras e, em particular, com as suas instalações, a intervenções que põem em causa alguns juízos pré-estabelecidos. As suas propostas visuais, mesmo as mais remotas, provam que a estas, mais do que uma mera produção estética, subjaz uma preocupação em, de forma plástica, deixar expressa a sua preocupação com o futuro da Terra, sendo relevante a exposição que designou Rethink the way you live, em particular o núcleo “Pensar o Mar” realizada por ocasião da Concept Fashion Design de 2017, em Lisboa, onde um conjunto de peças particularmente coerente, questionava o comportamento do homem perante a Natureza, nomeadamente a preocupante extinção das espécies marinhas.

Na presente exposição a questão da pegada humana é retomada e o autor, através de técnicas mistas, através de instalações, através de objectos ou mesmo de meros fragmentos que recolhe, qual respigador da Natureza, cria obras que contam a história de um fabuloso planeta que vai sendo destruído por nós todos. Chama-se particular atenção para as esculturas tão emocionantes. Registe-se ainda o trabalho dos materiais, por exemplo a forma como o envelhecimento e craquelé das tintas é evocador da transformação da outrora terra fértil num terreno árido, seco e rachado onde nada crescerá, uma das terríveis consequências do aterrador aquecimento global, contra o qual os tais líderes da comunidade nada parecem fazer; observem-se as árvores que perderam a vida, assim como nós perderemos a nossa ou a roda do Oceano, de escala significativa e tão tocante. Não se pense que tudo está perdido. Tenho a certeza que José Ribeiro é optimista, que ainda acredita e exprime-o de forma muito subtil nas suas obras, através de um apontamento de cor, de um registo de ânimo, através de palavras construídas a partir de caracteres tipográficos que salvou, como a mais bela das palavras: Esperança, tudo remetendo para uma existência que ainda está a tempo de ter futuro se modificarmos os nossos comportamentos críticos.

Um notabilíssimo artista plástico, o escultor Lagoa Henriques, legou a sua vida ao combate a favor de três dimensões vitais para uma existência útil e proveitosa: a Estética, a Ética e a Poética.

É exactamente essa a proposta do nosso autor, sublimar as nossas vidas, alertando-nos que temos imperativamente que alterar as nossas condutas, tendo em vista essas três dimensões:

A Estética, através da aproximação ao Belo que estas obras permitem.

A Poética, transmitindo novos significados e leituras a formas e objectos comuns, que perdem a seu sentido habitual e ganham novas possibilidades de leitura

E por fim a Ética, modificando os nossos comportamentos no sentido mais nobre do “portador de carácter” que questiona hábitos e práticas muitas vezes de antanho, condutas que mima sem sequer saber porquê, e que a estes contrapõe uma praxis, uma conduta social a bem da comunidade, a bem da própria Humanidade.

Hoje, com esta exposição, fica plantada uma árvore. Queira Deus que um dia possa acolher à sua sombra um dos nossos bisnetos.

Amanhã … a Terra …

 

 

Paulo Morais-Alexandre

Professor do Ensino Superior. Regente das cadeiras “Problemas da Arte Contemporânea” e “História da Arte” na Escola Superior de Teatro e Cinema. Doutor em Letras, especialidade de História da Arte pela Universidade de Coimbra. Pró-presidente para as Artes do Instituto Politécnico de Lisboa.

 

 

 

O presente texto é escrito em bom português, não acordado, obviamente.