aMar
Si de tus dones y de tus destrucciones, Océano a mis manos
pudiera destinar una medida, una fruta, un fermento,
escogería tu reposo distante, las líneas de tu acero,
tu extensión vigilada por el aire y la noche,
y la energía de tu idioma blanco
que destroza y derriba sus columnas
en su propia pureza demolida.
No es la última ola con su salado peso
la que tritura costas y produce
la paz de arena que rodea el mundo:
es el central volumen de la fuerza,
la potencia extendida de las aguas,
la inmóvil soledad llena de vidas.
Tiempo, tal vez, o copa acumulada
de todo movimiento, unidad pura
que no selló la muerte, verde víscera
de la totalidad abrasadora.
Del brazo sumergido que levanta una gota
no queda sino un beso de la sal. De los cuerpos
del hombre en tus orillas una húmeda fragancia
de flor mojada permanece. Tu energía
parece resbalar sin ser gastada,
parece regresar a su reposo.
La ola que desprendes,
arco de identidad, pluma estrellada
cuando se despeñó fue sólo espuma,
y regresó a nacer sin consumirse.
[…]
Pablo Neruda – “El Gran Océano”
Num mundo onde as pessoas são cada vez mais condicionadas no seu pensamento, onde são encaminhadas a gostar do que já gostam, preocupar-se com o que alguns querem que as preocupe, é bom ver que alguém nos ajuda a pensar sem nos encaminhar, sem nos dar soluções. Vale a pena retomar um texto fulcral, infelizmente ultimamente tão esquecido, de um dos mais interessantes investigadores da Estética mas também um dos mais relevantes semiólogos, Umberto Eco, a Obra Aberta, onde nos é claramente dito que na contemporaneidade, o discurso artístico, sobretudo o de vanguarda deve ser aberto.
Deve ser aberto a dois níveis, o primeiro através da ambiguidade. Efectivamente o discurso da Arte deve colocar-nos numa situação de «[…] “estranhamento”, de “anseio pelo desconhecido”; apresenta-nos as coisas de um modo novo, para além dos hábitos conquistados, infringindo as normas da linguagem, às quais havíamos sido habituados. As coisas de que nos fala nos aparecem sob uma luz estranha, como se as víssemos agora pela primeira vez; precisamos fazer um esforço para compreendê-las, para torná-las familiares, precisamos intervir com atos de escolha, construirmos a realidade sob o impulso da mensagem estética, sem que esta nos obrigue a vê-la de um modo predeterminado.», permitindo, em suma, a cada um de nós uma leitura diversa e jamais pré-determinada ou unívoca.
Num segundo nível o discurso aberto remete não para um resultado final, para uma mensagem definida, mas antes para a forma como a mesma é expressa. «O discurso aberto tem como primeiro significado a própria estrutura. Assim, a mensagem não se consuma jamais, permanece sempre como fonte de informações possíveis e responde de modo diverso a diversos tipos de sensibilidade e de cultura. O discurso aberto é um apelo à responsabilidade, à escolha individual, um desafio e um estímulo para o gosto, para a imaginação, para a inteligência.»
A instalação de José Teixeira Ribeiro corresponde exactamente aos dois quesitos anteriormente citados: não nos conduz a qualquer resposta e apresenta um discurso livre e inovador que jamais se consuma.
Através da criação de um ambiente, eventualmente, mas não necessariamente coerente, onde várias artes, técnicas e materiais são chamados à liça, desde a pintura, aos esqueletos de espécies marinhas, não se podendo omitir a própria plasticidade da iluminação da sala, o design de som ou as eleições cromáticas das telas, é criado um espaço novo que somos chamados a viver. O artista cria, pois, um campo de perscrutação que remete para um outro mais vasto, o Mar, esse mar precioso, fonte de vida, mas ao mesmo tempo talvez o nosso bem mais atacado. Assim, há que entrar, ver, deambular, viver. Se calhar, nada mais, apenas viver.
O resultado final não nos dá nenhuma resposta, não resolve qualquer problema, não nos provoca indignação e muito menos júbilo, mas deixa a cada um de nós uma série de questões e essas questões levantadas diferem necessariamente de pessoa para pessoa, pelo que irão certamente modificar comportamentos futuros, ocasionar intervenções, mas jamais produzirão indiferença.
Há, pois, que questionar o mundo, há que fazer algo tão elementar e o mesmo tão difícil como pensar, reflectir fora dos lugares comuns, tão simplesmente pensar e é tão somente isso que aqui nos é proposto por José Teixeira Ribeiro:
Pensar o Mar.
Paulo Morais-Alexandre
Professor do Ensino Superior. Regente das cadeiras “Problemas da Arte Contemporânea” e “História da Arte” na Escola Superior de Teatro e Cinema. Doutor em Letras, especialidade de História da Arte pela Universidade de Coimbra. Investigador do CIAC – Centro de Investigação em Artes e Comunicação (Escola Superior de Teatro e Cinema / Universidade do Algarve). Pró-presidente para as Artes do Instituto Politécnico de Lisboa.