Pensar o Mar

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Si de tus dones y de tus destrucciones, Océano a mis manos

pudiera destinar una medida, una fruta, un fermento,

escogería tu reposo distante, las líneas de tu acero,

tu extensión vigilada por el aire y la noche,

y la energía de tu idioma blanco

que destroza y derriba sus columnas

en su propia pureza demolida.

No es la última ola con su salado peso

la que tritura costas y produce

la paz de arena que rodea el mundo:

es el central volumen de la fuerza,

la potencia extendida de las aguas,

la inmóvil soledad llena de vidas.

Tiempo, tal vez, o copa acumulada

de todo movimiento, unidad pura

que no selló la muerte, verde víscera

de la totalidad abrasadora.

Del brazo sumergido que levanta una gota

no queda sino un beso de la sal. De los cuerpos

del hombre en tus orillas una húmeda fragancia

de flor mojada permanece. Tu energía

parece resbalar sin ser gastada,

parece regresar a su reposo.

La ola que desprendes,

arco de identidad, pluma estrellada

cuando se despeñó fue sólo espuma,

y regresó a nacer sin consumirse.

[…]

Pablo Neruda – “El Gran Océano”

Version 3

Amanhã

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Amanhã…

Ao longe, mui longe, no horizonte,
além, muito além daquele monte,
como ave que voa desdenhada,
flutua tristemente uma jangada.

Nos zangados soluços do oceano,
quase desaparece o canto humano
de quem no mar e céu inda confia
porque em terra tudo lhe é melancolia.

Isso de terra firme e mar traiçoeiro

nem sempre é certo para o jangadeiro
mais preso ao fiel sal que à incerta areia.

Mistura ao grande azul as suas mágoas
e encontra no vaivém das verdes águas
consolo às negras dores cá da terra.

Gilberto Freyre – “Jangada Triste”

Amanhã…

Disse um dos mais belos prosadores portugueses, o padre António Vieira, numa belíssima paráfrase que jamais perdeu actualidade, antes pelo contrário, que é cada vez mais premente, que os que devem dar o exemplo, os que estão obrigados a lutar por um mundo melhor, na altura os pregadores, hoje eventualmente os líderes das comunidades que são o «[…] o sal da terra; e chama-lhe sal da terra, porque quer que façam na terra o que faz o sal. / O efeito do sal é impedir a corrupção, mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção? / Ou é porque o sal não salga, ou porque a terra se não deixa salgar. /Ou é porque o sal não salga, e os pregadores não pregam a verdadeira doutrina, ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes, sendo verdadeira a doutrina que lhe dão, a não querem receber. /Ou é porque o sal não salga, e os pregadores dizem uma coisa e fazem outra, ou porque a terra não se deixa salgar, e os ouvintes querem antes imitar o que eles fazem que fazer o que dizem.»

Hoje muitos destes líderes estão mais preocupados com o momento, com os seus interesses do que com o bem comum que não se esgota no presente, pelo que cumpre perguntar:

Qual o futuro da Terra? Qual o futuro da Humanidade que a ela está tão ligado?

O que poderemos nós, hoje, fazer para que exista um Futuro?

Comece-se por uma muito simples constatação:

Diz-se que um castanheiro demora trezentos anos a crescer, em compensação um eucalipto demora apenas meia dúzia de anos a chegar ao estado adulto.

Assim, é importante verificar quantos serão os que hoje têm coragem, ou melhor, a generosidade, para plantar árvores das quais jamais verão os frutos.

Hoje pensamos pouco no Futuro, hoje sonhamos muito pouco e deveríamos sonhar mais.

É neste contexto que surge e se pode explicar a exposição “Amanhã…”, de José Teixeira Ribeiro, com a apresentação de um conjunto de obras que versam o problema da sustentabilidade do planeta.

O autor já nos habituou, com as suas obras e, em particular, com as suas instalações, a intervenções que põem em causa alguns juízos pré-estabelecidos. As suas propostas visuais, mesmo as mais remotas, provam que a estas, mais do que uma mera produção estética, subjaz uma preocupação em, de forma plástica, deixar expressa a sua preocupação com o futuro da Terra, sendo relevante a exposição que designou Rethink the way you live, em particular o núcleo “Pensar o Mar” realizada por ocasião da Concept Fashion Design de 2017, em Lisboa, onde um conjunto de peças particularmente coerente, questionava o comportamento do homem perante a Natureza, nomeadamente a preocupante extinção das espécies marinhas.

Na presente exposição a questão da pegada humana é retomada e o autor, através de técnicas mistas, através de instalações, através de objectos ou mesmo de meros fragmentos que recolhe, qual respigador da Natureza, cria obras que contam a história de um fabuloso planeta que vai sendo destruído por nós todos. Chama-se particular atenção para as esculturas tão emocionantes. Registe-se ainda o trabalho dos materiais, por exemplo a forma como o envelhecimento e craquelé das tintas é evocador da transformação da outrora terra fértil num terreno árido, seco e rachado onde nada crescerá, uma das terríveis consequências do aterrador aquecimento global, contra o qual os tais líderes da comunidade nada parecem fazer; observem-se as árvores que perderam a vida, assim como nós perderemos a nossa ou a roda do Oceano, de escala significativa e tão tocante. Não se pense que tudo está perdido. Tenho a certeza que José Ribeiro é optimista, que ainda acredita e exprime-o de forma muito subtil nas suas obras, através de um apontamento de cor, de um registo de ânimo, através de palavras construídas a partir de caracteres tipográficos que salvou, como a mais bela das palavras: Esperança, tudo remetendo para uma existência que ainda está a tempo de ter futuro se modificarmos os nossos comportamentos críticos.

Um notabilíssimo artista plástico, o escultor Lagoa Henriques, legou a sua vida ao combate a favor de três dimensões vitais para uma existência útil e proveitosa: a Estética, a Ética e a Poética.

É exactamente essa a proposta do nosso autor, sublimar as nossas vidas, alertando-nos que temos imperativamente que alterar as nossas condutas, tendo em vista essas três dimensões:

A Estética, através da aproximação ao Belo que estas obras permitem.

A Poética, transmitindo novos significados e leituras a formas e objectos comuns, que perdem a seu sentido habitual e ganham novas possibilidades de leitura

E por fim a Ética, modificando os nossos comportamentos no sentido mais nobre do “portador de carácter” que questiona hábitos e práticas muitas vezes de antanho, condutas que mima sem sequer saber porquê, e que a estes contrapõe uma praxis, uma conduta social a bem da comunidade, a bem da própria Humanidade.

Hoje, com esta exposição, fica plantada uma árvore. Queira Deus que um dia possa acolher à sua sombra um dos nossos bisnetos.

Amanhã … a Terra …

Paulo Morais-Alexandre

Professor do Ensino Superior. Regente das cadeiras “Problemas da Arte Contemporânea” e “História da Arte” na Escola Superior de Teatro e Cinema. Doutor em Letras, especialidade de História da Arte pela Universidade de Coimbra. Pró-presidente para as Artes do Instituto Politécnico de Lisboa.

O presente texto é escrito em bom português, não acordado, obviamente.

Amanhã

Instalação-Amanhã

(Em off)

Uma flor tem um desabafo com a tulipa que está sentada a seu lado:

– Desculpa-me o desabafo Tulipa, mas desejo estar tranquila. Ter vindo assistir a esta execução deixa-me ansiosa. O medo de ser perturbada por presenciar o “Abate de árvores”, está a tornar-se para mim muito opressivo.

Desejo estar tranquila e em paz comigo mesma.

Até há pouco tempo estava mais ou menos em paz, mas agora, aqui, vejo-me estranhamente aflita.

Vou-me embora, vou fazer de conta que isto não está a acontecer. Eu só quero estar em sossego, livre de perturbações e em Paz…

Adaptação de um excerto da obra de Jiddu Krishnamurti – Reflexões sobre a Vida

Pensar o Mar II