Da Arte e do Tempo
Da Arte e do Tempo
O ponto de partida é muito simples:
José Teixeira Ribeiro tem uma necessidade imperiosa, talvez inexplicável mas sentida em absoluto, de se exprimir e de comunicar através da criação artística, a que não serão alheios conceitos de sublimação, de intervenção através da Arte.
Depois, ao contrário de tantos, sabe pensar e usa o pensamento como uma ferramenta.
Faz também aquilo que muitos não são capazes: trabalha árdua e incansavelmente.
E o todo pode ser sintetizado no resultado: Cria.
É muito bom ver expostos os últimos trabalhos que o autor em apreço realizou e é, também, um privilégio poder alinhavar meia dúzia de pensamentos sobre a produção plástica que vem efetivando de há muitos anos a esta parte e sobretudo ajudar à sua perceção e valoração.
Utilizando técnicas mistas, onde o suporte pode ser a prosaica tela ou preferentemente um objeto respigado de um qualquer abandono, como uma velha janela desprezada descoberta numa rua, a que junta materiais preciosos, como as pérolas, as turquesas e a prata ou, então, os despojos do Tempo, como os espantosos caracteres tipográficos recuperados de uma velha oficina gráfica, ou simplesmente madeiras que sofreram particular erosão que as transformam em verdadeiras esculturas, tudo aglutina criando poemas visuais.
Efetivamente, todos os objetos de Teixeira Ribeiro têm uma forte vertente lírica, são poesias e devem ser “vistas” como tal, seguindo uma linha criadora bem interessante que se pode fazer remontar aos poemas visuais do Futurismo ou do Movimento Dada, mas que agora surgem renovados, já que, o que nas obras dos artistas dos referidos movimentos surgia de forma bidimensional, como o caso dos poemas visuais de autores como os dadaístas Marius de Zayas, ou Tristan Tzara, ou do chefe de fila dos futuristas Filippo Tommaso Marinetti, são apresentados agora com uma interessante componente tridimensional, escultórica.
“Dr. Paulo Morais‐Alexandre”
Professor do Ensino Superior. Regente das cadeiras “Problemas da Arte Contemporânea” e “História da Arte” na Escola Superior de Teatro e Cinema. Doutor em Letras, especialidade de História da Arte pela Universidade de Coimbra. Pró-presidente para as Artes do Instituto Politécnico de Lisboa.
Pensar o Mar 1
Pensar o Mar.
Num mundo onde as pessoas são cada vez mais condicionadas no seu pensamento, onde são encaminhadas a gostar do que já gostam, preocupar-se com o que alguns querem que as preocupe, é bom ver que alguém nos ajuda a pensar sem nos encaminhar, sem nos dar soluções. Vale a pena retomar um texto fulcral, infelizmente ultimamente tão esquecido, de um dos mais interessantes investigadores da Estética mas também um dos mais relevantes semiólogos, Umberto Eco, a Obra Aberta, onde nos é claramente dito que na contemporaneidade, o discurso artístico, sobretudo o de vanguarda deve ser aberto.
Deve ser aberto a dois níveis, o primeiro através da ambiguidade. Efectivamente o discurso da Arte deve colocar-nos numa situação de «[…] “estranhamento”, de “anseio pelo desconhecido”; apresenta-nos as coisas de um modo novo, para além dos hábitos conquistados, infringindo as normas da linguagem, às quais havíamos sido habituados. As coisas de que nos fala nos aparecem sob uma luz estranha, como se as víssemos agora pela primeira vez; precisamos fazer um esforço para compreendê-las, para torná- las familiares, precisamos intervir com atos de escolha, construirmos a realidade sob o impulso da mensagem estética, sem que esta nos obrigue a vê-la de um modo predeterminado.», permitindo, em suma, a cada um de nós uma leitura diversa e jamais pré-determinada ou unívoca.
Num segundo nível o discurso aberto remete não para um resultado final, para uma mensagem definida, mas antes para a forma como a mesma é expressa. «O discurso aberto tem como primeiro significado a própria estrutura. Assim, a mensagem não se consuma jamais, permanece sempre como fonte de informações possíveis e responde de modo diverso a diversos tipos de sensibilidade e de cultura. O discurso aberto é um apelo à responsabilidade, à escolha individual, um desafio e um estímulo para o gosto, para a imaginação, para a inteligência.»
A instalação de José Teixeira Ribeiro corresponde exactamente aos dois quesitos anteriormente citados: não nos conduz a qualquer resposta e apresenta um discurso livre e inovador que jamais se consuma.
Através da criação de um ambiente, eventualmente, mas não necessariamente coerente, onde várias artes, técnicas e materiais são chamados à liça, desde a pintura, aos esqueletos de espécies marinhas, não se podendo omitir a própria plasticidade da iluminação da sala, o design de som ou as eleições cromáticas das telas, é criado um espaço novo que somos chamados a viver. O artista cria, pois, um campo de perscrutação que remete para um outro mais vasto, o Mar, esse mar precioso, fonte de vida, mas ao mesmo tempo talvez o nosso bem mais atacado. Assim, há que entrar, ver, deambular, viver. Se calhar, nada mais, apenas viver.
O resultado final não nos dá nenhuma resposta, não resolve qualquer problema, não nos provoca indignação e muito menos júbilo, mas deixa a cada um de nós uma série de questões e essas questões levantadas diferem necessariamente de pessoa para pessoa, pelo que irão certamente modificar comportamentos futuros, ocasionar intervenções, mas jamais produzirão indiferença.
Há, pois, que questionar o mundo, há que fazer algo tão elementar e o mesmo tão difícil como pensar, reflectir fora dos lugares comuns, tão simplesmente pensar e é tão somente isso que aqui nos é proposto por José Teixeira Ribeiro: Pensar o Mar.
Paulo Morais-Alexandre
Professor do Ensino Superior. Regente das cadeiras “Problemas da Arte Contemporânea” e “História da Arte” na Escola Superior de Teatro e Cinema. Doutor em Letras, especialidade de História da Arte pela Universidade de Coimbra. Investigador do CIAC – Centro de Investigação em Artes e Comunicação (Escola Superior de Teatro e Cinema / Universidade do Algarve). Pró-presidente para as Artes do Instituto Politécnico de Lisboa.
Respirar
Forte de São Julião da Barra – Oeiras

Respirar
«The importance of breathing need hardly be stressed. It provides the oxygen for the metabolic processes; literally it supports the fires of life. But breath as “pneuma” is also the spirit or soul. We live in an ocean of air like fish in a body of water. By our breathing we are attuned to our atmosphere. If we inhibit our breathing we isolate ourselves from the medium in which we exist. In all Oriental and mystic philosophies, the breath holds the secret to the highest bliss. That is why breathing is the dominant factor in the practice of Yoga.»
Alexander Lowen – The Voice of the Body
A Arte em José Teixeira Ribeiro não se pode dissociada da sua forma de viver, já que tem um percurso de vida que não pode ser escamoteado. O autor tem efectivamente uma vida longa, tendo vivido extraordinárias experiências. Foi ao longo desse percurso que se construiu como ser humano e houve, numa fase do seu percurso de vida, uma profunda transformação que passou desde logo por um recentrar das prioridades e até pela alteração da forma de estar e de existir. A tal não foi alheia uma introspecção pessoal, que passou pelo questionar do mundo consumista e de desperdício onde vivia, onde todos vivemos, por uma auto-análise crítica, o que teve como consequência que se aproximasse de uma praxis vizinha das doutrinas Wabi-sabi japonesas, que aliam sábios ensinamentos budistas à transformação da visão global que passa a ser eminentemente estética, mas também ética.
Verdadeiro globetrotter cruza o mundo sistematicamente e vê a sua evolução, ou melhor a sua continuada involução, que considera sem sentido, que entende ser uma verdadeira incongruência. É desta vivência que deriva a sua necessidade de se exprimir plasticamente, algo que pode ser visto como uma necessidade de reflectir sobre a sua existência através da Arte, sentindo a imperiosa necessidade de carrear as suas preocupações para obras que não podem ser dissociadas da sua experiência.
Começa pois a criar e aqui, uma vez mais, retoma as sábias propostas Wabe-sabi, transmitindo, em obras que a cada momento vão sendo mais experimentais, não uma visão ocidental que tem muitas vezes como terrível contrapartida a transitoriedade das coisas, mas um olhar que realça uma contenção, uma naïveté deliberada, que permite encontrar o Belo na imperfeição ou nas próprias marcas do tempo, numa atitude de enorme serenidade que transformou o autor, incrementando a sua compreensão e fruição do mundo e que se estendeu até a actos tão simples como a própria forma de ver ou de respirar.
Alexander Lowen, o fundador da bioenergética que compreendeu que o acto de respirar é bem mais complexo do que poderá parecer e vai muito além de uma mera função pulmonar, afirmou que «It is a common belief that we breathe with our lungs alone, but in point of fact, the work of breathing is done by the whole body.»
É este o ponto fulcral para a compreensão das obras que José Teixeira Ribeiro presentemente expõe:
A questão da respiração.
Pode e deve, pois, desde logo, ser colocada uma pergunta de resposta menos ortodoxa: será que respiramos individualmente ou colectivamente?
A resposta está uma vez mais nas instalações e obras que agora podemos fruir, obras que permitem múltiplas leituras, mas que nos obrigam sempre a questionar a nossa postura perante o mundo que nos envolve. Assim, ao arrepio do que está instituído, Teixeira Ribeiro faz-nos intuir que as preocupações que temos, ou que todos deveríamos ter com o meio ambiente, se prendem com o facto de todos respirarmos em conjunto e o mesmo ar. Da respiração dever ser realmente vista, do ponto de vista filosófico, como um acto colectivo.
Efectivamente como explicar que num momento em que a Ciência avança, num momento em que há maior possibilidade de criar tecnologias limpas, produzir energia a partir de recursos renováveis e que não prejudicam o planeta, quando, em suma, o Planeta poderia melhorar, verifica-se que, pelo contrário, está cada vez mais poluído, que há cada vez menos sustentabilidade, que todos os dias há espécies que desaparecem, que a subida da temperatura é inexorável, em suma, que a Terra definha.
Por fim cite-se, a este respeito, o notável romancista russo Ivan Turgueniev
«Sem autenticidade, sem educação, sem liberdade no seu significado mais amplo – na relação consigo mesmo, com as próprias ideias pré-concebidas, até mesmo com o próprio povo e com a própria história – não se pode imaginar um artista verdadeiro; sem este ar não é possível respirar.»
De alguma forma as obras, as peças, videoarte e as instalações de José Teixeira Ribeiro ajudam-nos e também nos ensinam a estar vivos.
E é tão bom respirar …
Paulo Morais-Alexandre
Professor do Ensino Superior, investigador e ensaísta. Regente das cadeiras “Problemas da Arte Contemporânea” e “História da Arte” na Escola Superior de Teatro e Cinema. Doutor em Letras, especialidade de História da Arte pela Universidade de Coimbra. Pró-presidente para as Artes do Instituto Politécnico de Lisboa.
Da Arte e do Tempo II
Hospital da Sant’ Ana – Oeiras




Amanhã
Convento de Jesus – Setúbal