Exposição Pensar o Mar I

Hospital da Santa Casa da Misericórdia  – Estrela- Lisboa com o apoio da Santa Casa da Misericórdia  e Concept Fashion Design.

Pensar o Mar.

Num mundo onde as pessoas são cada vez mais condicionadas no seu pensamento, onde são encaminhadas a gostar do que já gostam, preocupar-se com o que alguns querem que as preocupe, é bom ver que alguém nos ajuda a pensar sem nos encaminhar, sem nos dar soluções. Vale a pena retomar um texto fulcral, infelizmente ultimamente tão esquecido, de um dos mais interessantes investigadores da Estética mas também um dos mais relevantes semiólogos, Umberto Eco, a Obra Aberta, onde nos é claramente dito que na contemporaneidade, o discurso artístico, sobretudo o de vanguarda deve ser aberto.

Deve ser aberto a dois níveis, o primeiro através da ambiguidade. Efectivamente o discurso da Arte deve colocar-nos numa situação de «[…] “estranhamento”, de “anseio pelo desconhecido”; apresenta-nos as coisas de um modo novo, para além dos hábitos conquistados, infringindo as nor­mas da linguagem, às quais havíamos sido habituados. As coisas de que nos fala nos aparecem sob uma luz estranha, como se as víssemos agora pela primeira vez; precisamos fazer um esforço para compreendê-las, para torná-    las familiares, precisamos intervir com atos de escolha, construirmos a realidade sob o impulso da mensagem estética, sem que esta nos obrigue a vê-la de um modo predeterminado.», permitindo, em suma, a cada um de nós uma leitura diversa e jamais pré-determinada ou unívoca.

Num segundo nível o discurso aberto remete não para um resultado final, para uma mensagem definida, mas antes para a forma como a mesma é expressa. «O discurso aberto tem como primeiro significado a própria estrutura. Assim, a mensagem não se consuma jamais, permanece sempre como fonte de informações possíveis e respon­de de modo diverso a diversos tipos de sensibilidade e de cultura. O discurso aberto é um apelo à responsabi­lidade, à escolha individual, um desafio e um estímulo para o gosto, para a imaginação, para a inteligência.»

A instalação de José Teixeira Ribeiro corresponde exactamente aos dois quesitos anteriormente citados: não nos conduz a qualquer resposta e apresenta um discurso livre e inovador que jamais se consuma.

Através da criação de um ambiente, eventualmente, mas não necessariamente coerente, onde várias artes, técnicas e materiais são chamados à liça, desde a pintura, aos esqueletos de espécies marinhas, não se podendo omitir a própria plasticidade da iluminação da sala, o design de som ou as eleições cromáticas das telas, é criado um espaço novo que somos chamados a viver. O artista cria, pois, um campo de perscrutação que remete para um outro mais vasto, o Mar, esse mar precioso, fonte de vida, mas ao mesmo tempo talvez o nosso bem mais atacado. Assim, há que entrar, ver, deambular, viver. Se calhar, nada mais, apenas viver.

O resultado final não nos dá nenhuma resposta, não resolve qualquer problema, não nos provoca indignação e muito menos júbilo, mas deixa a cada um de nós uma série de questões e essas questões levantadas diferem necessariamente de pessoa para pessoa, pelo que irão certamente modificar comportamentos futuros, ocasionar intervenções, mas jamais produzirão indiferença.

Há, pois, que questionar o mundo, há que fazer algo tão elementar e o mesmo tão difícil como pensar, reflectir fora dos lugares comuns, tão simplesmente pensar e é tão somente isso que aqui nos é proposto por José Teixeira Ribeiro: Pensar o Mar.

Dr. Paulo Morais-Alexandre

Professor do Ensino Superior, investigador e ensaísta. Regente das cadeiras “Problemas da Arte Contemporânea” e “História da Arte” na Escola Superior de Teatro e Cinema. Doutor em Letras, especialidade de História da Arte pela Universidade de Coimbra. Pró-presidente para as Artes do Instituto Politécnico de Lisboa.